domingo, junho 26, 2005


afinal era ainda o mesmo, pensava. afinal era ainda aquele olhar de uma brancura enraivecida: um homem envelhecido, e no centro da face os mesmos sonhos por entre ravinas luminosas e azuis. à noite as ruas percorriam-lhe os ombros e tinha o mesmo corpo de sempre: viva penumbra, os meus braços são ainda como as ruas caladas nas manhãs misturadas de nuvens e de uma transparência distante como o peso da água nas pálpebras depois de um sonho. memória apagada, céu amplo, aberto, e tudo era ainda o mesmo: os meus sapatos, os meus gestos longos e gastos pela imobilidade daquela ternura que sempre me povoaram as mãos. devagar, ferro contra o ferro: e aqui, eu era como um animal retraído pelo fogo - à noite, retorno ainda aos núcleos silenciosos dos meus paraísos e com os dois braços caídos para diante o meu corpo é como um instrumento abandonado nas traseiras de uma casa ou de uma qualquer oficina ferrujenta. chego a casa, pouso os sapatos junto à janela, e tantas vezes esperei pelo a noite ser que no corpo da minha casa lançada à chuva nasceram humidades e bolores cheios de um minucioso estertor que, agora, hoje, contornam os pregos da minha cama, as dobradiças dos meus armários e todas as fechaduras vazias.