terça-feira, setembro 13, 2005


'«Diz-me, peço-te, onde pretendemos chegar com todos estes nossos trabalhos? Que procuramos? Porque lutamos?» Disse isto, e perturbado pelo parto para uma nova vida, voltou de novo os olhos para aquelas páginas: e lia, e transformava-se interiormente, e a sua alma despojava-se do mundo revolvendo turbilhões no seu coração enquanto de vez em quando gemia. «Porque padecemos? Que é isto? Que ouviste? Levantam-se os que nada sabem e arrebatam o céu, e nós, com as nossas doutrinas sem coração, eis que nos engolfamos na carne e no sangue...» O tumulto do coração levara-me para lá, onde ninguém impedisse o violento combate que comigo mesmo travava, até que findasse, da forma que tu sabias, mas eu não: eu apenas enlouquecia, sem perder o juízo, e morria sem perder a vida, conhecendo o que de mal havia em mim. E no entanto estava preso. E tu instavas comigo no mais íntimo de mim mesmo, aumentando, com severa misericórdia, as vergastadas do temor e do pudor, de modo a que eu não desistisse mais uma vez, e não se quebrasse aquela mesma cadeia pequena e frágil que tinha subsistido, e recobrasse forças e mais violentamente me amarrasse. Dizia a mim mesmo, dentro de mim: «É agora, é agora», e com estas palavras já me encaminhava para a decisão. Hesitava em morrer para a morte e em viver para a vida, e o próprio momento em que havia de me tornar outra coisa, quanto mais perto estava, tanto maior era o horror que me incutia; mas não me empurrava para trás nem me repelia, mas mantinha-me suspenso.'

St. Agostinho, Confissões, livro VIII, trad. de Arnaldo Espírito Santo, mudado.