domingo, outubro 30, 2005

sábado, outubro 29, 2005


Calcinados e doentes são todos os dias que no escuro me respiram. Fechado como um corpo espalhado pela chuva que bate no chão sem resposta, por dentro de mim caem lá fora os dias e os meus ombros são desolados como as paredes lisas de um prédio que abana desentranhado no centro da cidade. que eu sou. fechado. doente. iluminado na enorme cegueira das coisas. decepado como um sonho sem palavras. que se repete no respirar medonho das ruínas. que se repete vibrando sem fôlego por entre a chuva. húmida e que se repete enquanto respiro doente o silêncio sem palavras de um prédio de alto a baixo. extremo, tão extremo que todo ele se coa na luz até cair no chão. como a chuva.

sexta-feira, outubro 28, 2005


As Primeiras Coisas eram Verdes ou Azuis


António Franco Alexandre
Os Poetas - Entre nós e as Palavras

quarta-feira, outubro 26, 2005

terça-feira, outubro 25, 2005


Aquele que me leva para longe adormece nos carris longos e extasiados por uma morte tão bela como o respirar de uma mão muito cheia de sonhos e lágrimas. Pela tarde dentro leva-me leva-me e enquanto a terra de pálpebras abertas brilha nos meus olhos há imagens tremendamente puras que se deitam lentas para dentro de mim. No respirar das janelas do comboio que me leva, no som surdo das admiráveis máquinas que estremecem vastas nas planícies e ravinas, a minha vida arde perpetuamente nas viagens que traço como uma rosa secreta que se recorta no ar em dor para no jardim florir. Tudo me deixa: a loucura, a confusão, o vento violento da vida espantada de uma infância loira e de olhos arregalados. Tudo me deixa. E eu subindo as mãos ao céu perco o pensamento na memória e na terra, e nos espasmos lentos do crescer da terra em meu torno as janelas perdidas para a paisagem são a minha única palavra de lábios entreabertos, a minha única imagem, o lugar mais extremo e rasgado que ao entardecer descubro no ar ardendo longo e sem fim.

sexta-feira, outubro 21, 2005


Dentro da ira, no meu coração, lá fora a cidade desfaz-se pelas margens dos meus sonhos. Facilmente, bloco a bloco, tudo levam as águas enquanto me cai, brusco, o soalho. Até onde se vê, na verdade, sei bem que enquanto me perco pelo chão coroado de uma multidão tão imensa, por entre a chuva que teima em cair, eu continuo a ser as paredes lentas da minha casa, o coração folha ferida deitado nas mesa das minhas mãos, a alma caracol refugiada enquanto me adormeço só a uma distância suave de todas as ruas.


quinta-feira, outubro 20, 2005


Tão completamente a chuva por entre as palavras cai que eu não sei onde nas ruas se demora o meu coração. Antes de sair de casa, logo pela manhã, iluminado apenas pela luz ténue de um candeeiro fraco, eu sou um bosque encaracolado num beijo verde de paz e silêncio. Recortado na solidão dos dias onde sou cego, por dentro de mim e do meu cansaço há ainda animais corações perdidos para o rendilhado inconfessável de existir. Lençol lento e doente que me arrasta para fora, antes da minha vida em vigília, em dormentes sonhos matinais eu sou docemente as minhas chagas lançadas ao ar, à luz de um cadeeiro por existir, no trabalho do sangue que nasce com a água e na luz, no verde silêncio deste animal vibrante que se demora pelo meu peito tão completa e mortalmente.

segunda-feira, outubro 17, 2005

se tudo fosse o cheiro da chuva
que se perde

nas ruas

domingo, outubro 16, 2005


Dormindo o silêncio como um pulmão fechado em asas de clarões, lembro-me dos dias em que esperei por ti contra o tempo sangrento . Nada crescia na paz da tua falta. Dormindo o silêncio nas minúsculas raízes dos meus sonhos, hoje, morrem sem ti os beijos dedos na violência fechada dos dias que se baixam esplêndidos. Murmurados. Murmura comigo. Tu. Em volta das coisas. sustidas. pela pontuação forte das palavras murmuradas, inseguras na dócil ferocidade dos corpos que aparecem à luz. de um sotão. Murmura. no exterior; aqui. enquanto me lembro dos dias e as minhas trevas se deitam nos tapetes. abandonados ao sangue do tempo.

quinta-feira, outubro 13, 2005

terça-feira, outubro 11, 2005

Um dia destes morro. De repente caminharei então vaidoso pela luz bordada dos teus sonhos e numa tarde qualquer serei o fundo curvo da minha chuva esquecida nas gotas de lã do teu cachecol.

segunda-feira, outubro 10, 2005


Regressam a mim as roupas húmidas e as multidões cegas da cidade. Atravessando o Inverno para dentro da pureza do esquecimento ardem-me as rectas longas no caminho rasgado dos carris sem som. Estes pulsos brancos na minha cabeça, penso. Este caminho. Este lugar perdido do leite, da incandescência dos teus lábios dobrados para o trabalho longo do silêncio. nos carris duros. Este lugar perdido por entre a cidade, este comboio sem ninguém que adormece nas minhas mãos quando regresso. para o Inverno acordado na cidade cega e devastada, na roupa húmida das multidões.

sexta-feira, outubro 07, 2005



quarta-feira, outubro 05, 2005


Agora longe, o principezinho tinha deixado para trás as luvas e com elas talvez a alma. Tudo isto ele não sabia. Perdia-se talvez, pensava o céu quando o menino abria o rosto branco para o ar em ondas. De coração rasteiro numa silenciosa afonia de gritos, por atalhos já certamente percorridos também por Ulisses, o principezinho branco murmurava animal dentro de uma espécie de luz encaracolada e nua para dentro de si mesma. Ali crescia o esquecimento e no seu interior lavravam as vozes fustigadas pelos dias.

terça-feira, outubro 04, 2005

poemínimo

o eclipse do Sol.
fui eu que te
toquei. o eclipse do Sol
foste tu que me
tocaste o eclipse do

domingo, outubro 02, 2005



- Então? Interrogou o arquitecto de éticas.
- Oh! Dentro de mim não há nada que valha a pena, disse o principezinho. Sou demasiado pequeno dentro de mim. Tenho só três medos e um sonho extinto.
- Isso dos medos não assinalamos. São demasiado dolorosos. Tens razão, um sonho extinto também não é interessante.
- Porquê? É o mais bonito!
- A arquitectura ética não pode fazer-se sob medos ou sonhos; isso passa sempre de moda e como é humano acaba sempre trucidado pelo tempo. O que nos importa são as coisas eternas, os sistemas do habitar e do viver.
- Tenho também uma flor. Murmurou o principezinho.
- Oh! Deixa-te disso! Não tens nenhum «projecto»? Uma ideia sólida de como devem habitar os homens que trabalham e morrem para os dias de esforço? Não tens nenhum sonho para lá da poesia, da suavidade das tardes e das tuas flores? Quero «projectos» de vida sólidos como paredes que resistam aos terramotos da morte e do amor, quero vidas axiais, exemplarmente construídas sob filosofias redondas, sistemáticas e sem fim!
Corado, com as mãos embrulhadas uma na outra, o principezinho repetiu baixinho sem que o arquitecto de éticas o ouvisse:
- Curioso eu ser todas estas personagens em viagem e, no entanto, nenhuma delas me coincidir de todas as maneiras.

De mãos nos bolsos e a pensar na sua intuição de sonhos misturada com os seus caracóis loiros, o principezinho foi-se embora.