sábado, abril 15, 2006

Ulisses acabara de chegar à ilha de Trinácia, onde pastam em grande número as vacas e as robustas ovelhas do Sol. Foi ali que o homem astuto se esqueceu da recomendação do adivinho cego e de Circe de Eeia, divina entra as deusas: era necessário deixar o gado incólume e só pensar no regresso a Ítaca. Era noite e o filho de Laertes, homem teimoso, de variado pensamento e grande urdidor de enganos, sentia parte da sua força escapar-lhe pelo rútilo cansaço do corpo. Tudo nele era de ferro mas vencido pelo sono de tanto vaguear pela rápida noite dentro, Ulisses afastou-se do mar brumoso e longe da Aurora de róseos dedos, arrastava com os seus companheiros a nau para uma côncava gruta na ilha do Sol. Todos adormeciam. E durante um mês soprou Noto e nunca lhes faltaram os sonhos de que os mortais tanto necessitam para viver. Por isso, durante esse tempo, abstiveram-se do gado. Mas quando do interior de todos os homens cansados, os víveres desapareceram, uma parte de Ulisses temeu a morte, o mais desgraçado dos destinos. Não conseguindo afastar o desejo daquela espécie de comida, os olhos de Ulisses turvaram-se de medo e na confusão da inquietude ele e os seus companheiros posicionaram-se em torno das vacas ainda assim rezando aos deuses. Depois de terem degolado e esfolado as belas vacas, Ulisses tremeu ao sentir o doce aroma da gordura quente. Gemendo perante o mar cor de vinho, a ruína acercou-se do seu coração e agora Hiperíon, o Sol, exigia a Zeus pai vingança. Ulisses entrava pela noite dentro: vendo só céu e mar, uma nuvem negra colocou-se sobre a côncava nau escurecendo também o mar. Zeus trovejou uma raiva imensa e atingiu então a embarcação com um raio despedançando o coração e a vida do mortal Ulisses. Sopravam os ventos trazendo o sofrimento ao filho de Laertes e na tenebrosa raiva dos deuses, o mortal foi levado pela noite, sugado pela água salgada para dentro de um sono que lhe retirava a possibilidade do regresso a casa.