terça-feira, maio 30, 2006

sábado, maio 27, 2006



Depois de a minha mãe chamar o meu nome pela grande janela que dava para as ruas, antes de chegar a casa, eu, no caminho, passava sempre por aqui. Tu não sabes Mãe, mas eu olhava para cima e ali, no centro do mundo, eu só via o teu rosto. iluminado como um grande arrepio. ou um coração. tantas vezes vi aquela luz imensa que lentamente entrava pela rua quase sempre escura. tantas vezes. foi aqui que me apaixonei pela luz, penso. lembro-me de vir no triciclo da minha infância e de ver este buraco luminoso para o céu quando lentamente me levantei como se voasse. lembro-me. de ali ficar muito tempo sem tempo. lembro-me daquela luz. que vi tantas vezes nas mulheres que amei. tantas vezes nos gestos das pessoas no metropolitano. no rosto estampado de uma mulher que em silêncio ama o crepúsculo de um quarto mal iluminado. eu nunca mais esqueci esta luz. esta luz que eu vejo quando dois amigos se abraçam. esta luz que invoca. que eu vejo nas pessoas que trabalham e sofrem para terem uma mesa de madeira no centro de uma cozinha. uma mesa de madeira como este buraco de luz. com toda a família em volta. em silêncio. com a comida assente numa toalha de plástico. verde ou azul.


Como se a terra crescesse dos braços do trabalho. nas mãos arpoadas por um sofrimento sem tamanho contra os dentes. da aorta à bolsa de ar que ilumina as noites quentes daquela terra de onde vim. lembro-me. de ver aquela massa cheia de um lume verde que saltava da terra. através dos teus braços. e assim sobre as minhas veias. como se eu no grande movimento do regresso, para trás, recordasse este grande sonho acorrentado às pálpebras encharcadas por uma infância estremecida que aqui se teceu. no centro destes elementos. a altitude. a água pela terra dentro. a terra. a terra magnífica. cercada, a respirar brilhando. através das plantas. do trabalho. dos braços. das mãos. do sofrimento assombroso que é crescer rompendo o escuro.

terça-feira, maio 23, 2006


Redondo é o olhar de uma mulher unida pela luz no centro de uma flor. uma mulher crisálida que rolava à noite pelos grandes lençóis de avenca do meu mundo. através da brancura das paredes no branco dos olhos. numa brancura resvalada. ser tão leve e frágil como os sonhos afogados junto às ondas. que no rosto. que no seu rosto começavam a nascer incessantes logo que abria os olhos. os cabelos. tão macios. eram debruçados torrencialmente para um lago de uma ternura que logo desenhava os lábios finos do amor nos baloiços que então vibravam à chuva. era uma mulher. uma mulher que cantava um cabelo suave e enlouquecido pelo vento tão raso como uma clareira. era uma mulher que vértebra a vértebra se estendia sobre o chão nua como um mosaico ou uma toalha vermelha. era uma mulher. dizia. é uma mulher rutilante como um fruto de outono, como uma coluna de ar que se ergue dos lábios aos pés de uma grande estátua. como uma borboleta estática. só acompanhada pelo vento arquejante ou por uma arpa envolta num musgo nascido do lado da humidade do sexo. ou dos seus olhos. tão altos e lacrados por uma espécie de mistério reconstruído. por dentro. por dentro de uma alvura que nasce ao lado da dor de duas mãos que se separam por dentro do mundo. das flores. como uma escada que lentamente se erguia para o céu junto ao autocarro: os troncos. o teu torso tão branco. as costas, as tuas costas marítimas. os olhos estrangulados sobre a terra engolfada por um sangue que varria todos os quartos. através das mãos. junto à paragem, como uma roda de bicicleta que se levanta para as ondas azuis. à distância dos olhos. dos teus olhos. à distância das mãos que se desunem. do autocarro que parte. de um ramo de flores deitado ao chão num círculo de viagens. em recapitulação.

quinta-feira, maio 18, 2006

terça-feira, maio 16, 2006


Ou são as estrelas num quarto em flor, meu amor. poderiam estar unidas pela luz dos seus centros. engolfadas para diante como uma torrente intensa nos poros da pele. as estrelas. tão brancas como o teu corpo em mar redondo e branco por dentro do escuro dos meus olhos. pois quando pela tarde dentro, rolam os cometas ríspidos dos soluços do sono e do cansaço, o mar chega-se para diante. toca-me. e sobre os lençóis tu és os gestos de um bosque completo como uma rosa aberta pela minha memória dentro aterrada e tornada só pelo mistério em volta. deslumbra-se. digo. todos os dias, todos os dias nervo a nervo, do extremo da minha cabeça ao outro extremo. se deslumbram as imagens. onde o teu brilho se levanta. erguido desde o abismo ao mar.

segunda-feira, maio 15, 2006

a quatro mãos. com Inês Cunha Simão. Ilha do Farol, 13 de Maio de 2006.

sexta-feira, maio 12, 2006


Como um galho de marfim, ou assim sobre a luz, eu poderia ser um lírio por dentro da imaginação de que minha mãe é construída. como uma martelada músculada de uma luz fremente. talvez o amor seja este lírio de uma morte quase branca, quase tão perpetuamente pura como uma mão coroada que se ergue para o espaço, para a pele do mundo nas braçadas de luz que se desatam pelos dias fora. eu passo agora as ruas e o vento em seda brinca comigo como num sonho. e por dentro. por dentro é este linho que ora se desgasta pelo cansaço, ora se desfaz para um amor cheio de constelações maravilhosas como os teus lábios. ou os teus ombros. Concâva e assombrosa é esta paixão que se desenha pela luta furiosa contra o soprar do mundo, meu amor. e então. então eu sou este galho de marfim. nas trevas dos passeios desta cidade grávida de silêncio. e se me arranco de dentro, abre-se no extremo labor do cansaço, uma luz de camisa branca com centelhas de sorrisos que me saem do corpo fulgurantes. e sem porquê. floresce a grande ideia de minha mãe deitada ao mar. vejo como dorme entrançada nos braços dos corais. e eu, eu beijo a minha mãe quando pela manhã o sol da cama me acorda e de mansinho num lírio a minha vida se enclavinha dormente. por tudo. ser tão belo.

segunda-feira, maio 08, 2006


Naquele tempo as mães iluminavam a terra de uma noite fabulosa num prodígio máximo de flores hipnotizadas pela grande destruição de deus. diria. as flores. como se levantasse a cabeça depois de adormecidas no instante de morrer para dar um passo adiante: a minha mãe é este lugar louco que canta as costas demoradas das minhas mãos num mês de Maio que se abre nas colinas e montes que sangram flores fora pela solidão deste tempo. deste tempo que se abre lavrando-me o rosto. o meu rosto aberto. o meu rosto aberto pela candura inteira de não ser mais ninguém senão a minha cama desfeita pelos sonhos duros e submarinos da grande memória dos gestos do mundo. naquele tempo. naquele tempo fetal. naquele tempo, a minha mãe era a terra que se iluminava irrespirável como uma grande estrela. como a mais pura beleza. que se extingue sem dizer trabalhando pela noite dentro iluminada contra as minhas ondas.

domingo, maio 07, 2006


.como o caminho que levo. tão surdo. tão mudo. como uma lâmpada num corredor que não dá para lado algum. eu apenas. minúsculo na fuligem dos estrondos e das faíscas numa idade sem mistério e sem memória. como se, envolto, para dentro dos dias, eu fosse esta sombra desfeita. que se despe quando chega a casa. e sobre um futuro desempregado, vertiginoso, arrancado à pressa do coração, eu digo: morrem-me os dias sem ti. correndo pelas ruas do medo, crescendo no mármore pendente dos bancos debaixo do sol. no meio das chamas. ou do escuro.

sábado, maio 06, 2006


Deserto, Ulisses, caminhava por entre lugares desolados e de um frio que estilhaçado o trespassava por dentro. Desertos eram os locais por onde deambulava só. e deserto estava também o filho de Laertes.

quinta-feira, maio 04, 2006