sábado, maio 27, 2006



Depois de a minha mãe chamar o meu nome pela grande janela que dava para as ruas, antes de chegar a casa, eu, no caminho, passava sempre por aqui. Tu não sabes Mãe, mas eu olhava para cima e ali, no centro do mundo, eu só via o teu rosto. iluminado como um grande arrepio. ou um coração. tantas vezes vi aquela luz imensa que lentamente entrava pela rua quase sempre escura. tantas vezes. foi aqui que me apaixonei pela luz, penso. lembro-me de vir no triciclo da minha infância e de ver este buraco luminoso para o céu quando lentamente me levantei como se voasse. lembro-me. de ali ficar muito tempo sem tempo. lembro-me daquela luz. que vi tantas vezes nas mulheres que amei. tantas vezes nos gestos das pessoas no metropolitano. no rosto estampado de uma mulher que em silêncio ama o crepúsculo de um quarto mal iluminado. eu nunca mais esqueci esta luz. esta luz que eu vejo quando dois amigos se abraçam. esta luz que invoca. que eu vejo nas pessoas que trabalham e sofrem para terem uma mesa de madeira no centro de uma cozinha. uma mesa de madeira como este buraco de luz. com toda a família em volta. em silêncio. com a comida assente numa toalha de plástico. verde ou azul.