quinta-feira, julho 13, 2006


E eram aqueles gritos. Aqueles gritos naquela cidade desconhecida. onde a luz morria. incompreensível e calcinada. inútil numa solidão desolada. tão vasta como aqueles gritos. que ardiam. que ardiam sozinhos em palavras incompreensíveis em torno dos ossos abandonados ao chão. num instante. não havia sombra. nem cidade. e deitado o coração na loucura enternecida do amor eu dizia baixinho. este é o meu testamento. não há aqui mais luz do que isto. este é o meu testamento. nenhuma desolação me cerca, nenhum sonho, nenhum abismo, nenhum pássaro. nenhuma ferida formada na pureza dos rostos. nenhum grito, nenhum grito. só aquele. era como um punho fechado na luz tão cega daquela guerra. agora. agora vejo. eu chego aqui, e tenho a roupa presa às silvas. eu chego aqui e sou esta parede. entreaberta no desalinho rigoroso das palavras na minha boca. eu sou esta parede, repito. ou as árvores que clamam lá fora pela chuva. pelo som da chuva nos baloiços metálicos da minha infância. aqueles gritos. por dentro. como qualquer coisa terrível. como um animal lançado ao inverno, ou como uma margem eterna. que rasgada se abre em ferida desde a sua origem até ao seu fim. o mar. um mar de gritos. como o canto de um pássaro ao longe. branco. absorto. e o que eu perdi. abano o teu corpo ao sol e digo: o que eu perdi, o que eu perdi viagem fora, mãe. aqueles gritos. daquela cama. aqueles gritos sob a pele. e os sonhos que ardem. atordoados junto à porta do quarto enconstada. os sonhos que eu perdi naquela noite. noite de noites tão vastas. tão vastas dentro dos gritos e do grito. daquela noite.