quinta-feira, agosto 31, 2006


O miúdo atravessava lentamente a vida. Fechava os olhos na tabuada dos anos e inocente perdia os cabelos feitos de búzios guardados numa caixa de trapos arrumada debaixo da cama. dormia nas ruas. desviava o caminho para morrer ao encontro das estradas. atravessava a vida. a vida desenhada como um largo círculo de uma dor molhada nas chaves do carro, no suor das mãos que seguram o carro pela tarde dentro. ou no quarto triste logo de manhã quando acordava para as sombras. à pressa. arrancado ao sono, empinado como um cavalo em dor na tranquilidade das vidraças vespertinas. que se mexem, movendo-se. batendo as asas no perfume das mulheres vagarosas da minha memória. oh deixa. deixa a noite regulada no cimento da cidade brilhar o meu nome, o calor passado do meu corpo murmurado na cicatriz quente da queimadura dos meus sonhos. e de repente. respirar. esquecendo. o trabalho. a luz. que se apaga ao acender as lâmpadas. nem voz, nem palavras. nas imagens. no crânio. somente, dizer: oh noite, que impossível é escrever, sentir, estender-se na água devagar e esticada sob as pálpebras do tempo. ser a ranhura dos lábios na madeira ardida dos amantes. e poder ser a madeira. a madeira talhada pela sombra das mãos numa vida que não esqueça como cresce a madeira. na terra. no crânio. nas imagens talhadas. na vida. que me viaja.