sábado, outubro 14, 2006


Os dias passavam e ele continuava a caminhar sozinho. Consigo não levava nada. Nenhuma semente nos bolsos. Nenhum poema ou palavra nas mãos. ninguém. Passava pelos dias e às vezes temia como uma criança assustada. como uma memória destrançada no esquecimento do quotidiano rasgado. Coisas banais, pensava. E não dizia quase nada pelas tardes sujas na terra. numa cidade que se deitava devagar para o Inverno. através das paredes que agora eram lisas de som.bras. nos múrmurios lentos do meu corpo. tinha deixado tudo para trás. os mortos enterrariam os seus mortos. e pela fuligem das nuvens frias eu continuaria aqui. ileso na sombra, como uma terra ensopada de chuva na grande largura das avenidas desta cidade. Os escritórios ficaram vazios. a minha casa mergulha numa escuridão cor de azul, rasgada pelo chão frio nos lençóis à chuva.e ao sol. durante o dia. o mesmo dia de toda a minha noite ao lado do mar. com o rosto muito aberto à luz na húmida música desta casa a que regresso todos os dias. abrigado o rosto, uma vez chegado a casa, passada a porta de entrada, muitos são os dias em que me sento logo ali no chão. como se esperasse a origem desta música incandescente que por dentro me anima. a roupa continua lá fora. estendida sobre o céu, num estendal imaginado dentro das mulheres. no círculo redondo do corpo. aos fins de semana cai a chuva do céu como um lodo sossegado no esquecimento destes passos que dou aqui. nunca cessará esta chuva. nos olhos. nos meus olhos. no sopro dos vidros vibrantes de recusa ao vento. porque os dias passam. e só, aquela criança acordada pelo varrer das tempestades caminhava louca, sozinha e de mãos muito acesas pela luz clara da manhã.