domingo, dezembro 31, 2006



Tinham-lhe posto uma grande rosa incandescente à volta do corpo em brasa. Ulisses inclinava a cabeça e dia após dia vomitava uma espécie de enjoo das memórias que então naufragavam em cada um dos seus ombros. Tinha os olhos cansados quando só o chão lhe servia de paisagem. E no entanto havia ainda sons que o chamavam de longe. Era o meu avô que pousava a enxada sobre a terra. Depois de escavar o silêncio bruto punha então a enxada ao ombro. Ou então era a minha avó que longe, tão longe e lentamente estendia a roupa que no meio dos carvalhos se exugava ao sol. Ulisses abria muito os olhos e pensava no tempo. naquele tempo que contra o esquecimento. naquele tempo em que puxava o arado no corpo daquela mulher com quem sonhara. daquele tempo em que à noite, do choro dela, colhia espigas, amarrava espigas para que morressem lado a lado. como a roupa estendida. ao céu. junto aos carvalhos.