quarta-feira, fevereiro 07, 2007


No clamor da cidade dos Homens o principezinho deixava-se arrastar por uma descrença que o lançava cada vez mais para um mais profundo cansaço. Caminhando, miseráveis eram as imagens dos destinos que lhe apareciam e com isto Ulisses quase já não reconhecia a sua própria fala junto ao asfalto daquela noite. Sentia uma tristeza que emergia na sua alma desde logo como inarrável, como qualquer coisa impensável e de profundamente impensado no âmago de si mesmo. Nenhuma palavra pode descrever o que eu sinto, dizia sozinho no escuro silencioso e mal iluminado do automóvel. Por cima de si erguia-se um grande céu de braços estendidos pelos horizontes e o principezinho sentia as suas pernas a tremer ligeiramente. A minha viagem será assim tão funda?, murmurava enquanto abria o vidro. Mais fundo do que este rio? A minha vida chegará a casa? E punha-se a cismar sobre o seu rasto, sobre as cidades que já tinha visto, sobre os Homens com que já se tinha cruzado e que sofriam sozinhos. Como vou eu conseguir? Como vou eu conseguir unir as minhas mãos pequeninas ao milagre enorme que seria eu sobreviver no interior desta morte? Lá longe a cidade podia talvez afastar-se; o principezinho atravessava o rio por onde não passava nunca duas vezes sem que no entanto se apercebesse. Começava hoje a esquecer o que tinha aprendido com os seus melhores mestres. E aquela criança que vinha ali deitada junto à estrada vagabunda, sofria, sofria como ela própria não conseguia dizer ou sequer imaginar. Sentia-se fraco. Seguia estrada fora, acelarava sem imagens ou com raras explosões de memórias que emergiam nos milímetros de uma espécie de claridade quente que ainda assim lhe restava. Será que morrer não é nascer? Não será nascer uma morte para a alma? Ulisses olhava o rio pela janela; o trânsito, de súbito, parára. Pensou que na sua vida talvez ele mais não fosse do que um outro rio convencido de que o não seria. Não será nascer uma espécie de morte? insistia. E lá longe, longe, dentro de si talvez emergisse uma borboleta, uma alma ou um sonho.