segunda-feira, novembro 26, 2007




Sei que estou cada vez mais doente, digo em murmúrio. Falam dentro de mim os álamos e as noites cheias de palavras suaves. Extintas estão as árvores dentro do meu peito, dos jardins e da terra molhada. Não tenho quase medo nem esperança. Venho de uma praia negra e de caminhos vazios feitos só de vento sobre as ervas. Amei tudo o que perdi. Sou como uma palavra impura e sem pétalas submersa na sombra do poço de um jardim torturado pela humidade das mulheres. Dentro de mim cai o frio do meu coração e a verdade é esta tristeza coagulada numa doença feita de luz e extinção. Sei que estou cada vez mais doente. É o crepúsculo de todas as tardes que o diz. Não quero pensar. Nem recordar o sol. Só quero sentir esta luz. esta luz nas minhas mãos. este primeiro animal visível do mundo. esta serenidade na confusão dos sonhos luminosos. e que os pássaros passem. e que com eles também o céu passe ante os meus olhos. suave. tão suave como o esquecimento e a sabedoria. a sabedoria no pensamento e no seu desaparecimento para a ternura.

sábado, novembro 17, 2007





A casa e a solidão ficam fechadas com ele dentro das quatro paredes brancas da minha cabeça. Mesmo do lado interior dos sonhos, quando por acaso me encontram pela noite fora, cheio de medo na solidão inteira do tempo preso às mãos desabrigadas pelo frio, eu estou dentro de mim naquele estado de embriaguez que só consegue ouvir as paredes no abismo. As crianças abandonam os caracóis do meu cabelo e o caminho para casa leva-me ao chão no vazio largo de haver eu, de eu ser a medida, a única medida possível do mundo. na violência deste peso morto não se pode dizer que exista uma medida do Homem para todas as coisas. antes de tudo o mais, há a solidão de haver origem. caio. ando um pouco pelas ruas. deambulo. tenho andado muito, mãe. não acima dos pássaros, não acima das estrelas, nem sequer acima da palma das mãos onde as palavras se escrevem dentro de mim. tenho só andado muito, repito. talvez como um interior que arde apagando-se devagar na força do silêncio e do sangue. escavo a luz. escavo as noites de pétalas. abro a cabeça para ver o meu escuro. não que tenha sede, não que tenha sequer vontade de repouso num destino. é que perdido, mãe, pode ser que me recorde de ti. de ti. de que a última paisagem no mais longínquo de mim e de ti, não está no peso do meu crânio, nem na dor animal das tuas pernas, mas esteve sempre no chão que hoje piso. no lugar que perdemos pelos atalhos sufocados e adormecidos na luz. naquela luz dos corredores imóveis. naquele silêncio desenhado e nu. de uma criança que navega quieta e de olhos fechados.

segunda-feira, novembro 12, 2007

'Diário

Seja o que for
Será bom.
É tudo.'


Daniel Faria, Poesia, 2006.