quarta-feira, fevereiro 06, 2008

quase não há imagens destes dias. esta noite, outra noite, esta noite qualquer vou dentro do carro e se estendo a mão fora da janela ao vento cresce o silêncio deserto à volta do zumbido do vento. venho triste pelo asfalto fora. estou cada vez mais triste, sabes? ninguém sabe, ninguém pode saber. mas estou cada vez mais triste. venho infinitamente comigo mesmo, junto a mim numa intimidade absoluta e sem passagens. penso em ti. há um pássaro que se move. dentro de mim. do voo ao ramo. da luz, ao chão. do escuro a mim. penso em ti. regresso devagar e trago no peito ainda o sangue da tua morada. da tua cama branca e tão nua que não há, não poderia nunca haver imagens. nem nenhum rosto. só esta escuridão branca de veludo. dentro da minha cabeça. porque não há quase imagens deste tempo. trago o rádio ligado: só noto agora que trago o rádio ligado. e sorrio. venho triste pelo asfalto dentro. apago a música. vou dentro deste carro através da noite. são três da manhã e eu não existo. estou dentro de mim, infinitamente dentro de mim abraçado a mim dentro de mim. apago o rádio. e agora só se ouve o motor do carro. a música continua dentro de mim. é uma poesia silenciosa. como a chuva fria a cair na estrada. eu desaprendo a fala assim. com todos os sentidos do silêncio. eu desaprendo as imagens. eu desaprendo tudo. e fico sem imagens. sem amigos. sem ninguém. volto para casa junto aos muros das ruas. oiço as coisas devagar. como por exemplo: o som dos motores. a minha respiração. e cada vez existo menos. subtraio-me à habilidade de falar. contigo. fecho-me por dentro. sem mim, sem ninguém. acrescento a minha ausência ao quarto vazio. adormeço. não digo. deito-me, apago as imagens no cansaço das minhas mãos. desdobro os lençóis brancos à luz do brilho do candeeiro. penso em ti. às vezes tenho saudades tuas. e aqui propago o escuro dentro dos meus olhos. entro nas sombras. para dentro do meu coração. e pouco me importa a fome, ou o relento do meu sono cercado pelos dias. porque ninguém me salvará. em cada dia ninguém me salvará. nenhuma imagem. nenhum livro. nenhuma palavra. nenhuma palavra iluminada. nestes tempos. nestes tempos nem o tempo me salvará.