domingo, dezembro 21, 2008



Era uma vergonha do que é gratuito. Com aquele Professor aprendi também que não existe para mim outra forma possível de eu ser senão esta: aberto e dado ao cuidado de tudo o que se me dá na forma diária da ternura. Lembrei-me de si naquele dia. Naquela noite em que me telefonaram para o telemóvel quando por acaso estava à beira de entrar no cinema para ver um filme tonto. estou com contracções de cinco em cinco minutos, dizias. eu menti-te naquele dia. sabes? menti-te porque era o mais nobre a fazer. e fui ter contigo para te levar à maternidade porque para mim é um orgulho fazer parte da tua história, da nossa história, deste tempo, deste mundo e deste Universo com todas as suas dores. Lembro-me de pensar no meu Professor de Ética no caminho escuro pela estrada fora para ir ter contigo com os quatro piscas ligados. é urgente cuidar, pensava. lembro-me de por milagre tudo ter corrido bem. lembro-me de pensado que naquele dia tinha nascido outra mãe. que tinha nascido outro filho. que tinha nascido outra história dentro de uma história já tão longa como o universo. que tudo nasce dentro dentro de tudo. e que a tua barriga era uma metáfora da gravidez de toda esta recapitulação tão primitiva. Este Universo que se enamora de si mesmo, pensei. É tão belo. Este Universo que se volteia em pedaços de amor e se dispersa e desagrega em redes sistemáticas de vida e de pequenos destroços de morte ainda assim na mesma corrente do fenómeno vida. Lembro-me daquilo que o Professor disse naquela aula; que tinha sido a vida a inventar a morte e não o contrário. Lembro-me de ter dado as boas vindas ao António Lourenço e de ter visto as duas avós dele muito contentes. De ter visto um pai nascer naquela noite. De ter visto aquele hospital como um imenso ser vivo e de eu próprio ter recuado dentro da minha cabeça aos tempos em que andava pela Faculdade onde havia uma grande árvore plantada no seu centro.